IBS Ceará

Alterações introduzidas pela Reforma Tributária no Simples Nacional

1. Introdução

A Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 instituiu o novo modelo tributário baseado na incidência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o que representou uma mudança significativa no sistema de tributação sobre o consumo no Brasil. Como parte desse novo modelo normativo, a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a EC 132/2023, promoveu alterações substanciais na Lei Complementar nº 123/2006, reorganizando aspectos estruturais do Simples Nacional (SN). 

A Lei Complementar 214/2025 não apenas incluiu as mudanças decorrentes do novo modelo tributário, como também realizou outras modificações que vão além da reforma, tal como o novo conceito de receita bruta. Desta forma, o presente artigo envolve não apenas as alterações da Lei Geral do Simples Nacional no escopo da Reforma Tributária, mas também as modificações relevantes do regime unificado de tributação das Micro e Pequenas Empresas (MPE) introduzidos pela LC nº 214/2025. 

No texto a seguir, apresenta-se as principais inovações introduzidas para as MPEs optantes pelo regime Simples Nacional.

2. Opção pelo regime regular do IBS/CBS

Uma das alterações principais foi a possibilidade de o contribuinte optante pelo Simples Nacional escolher semestralmente, pela apuração do IBS e da CBS pelo regime regular, isto é, fora do regime unificado. Isso representa uma medida inédita de flexibilização, permitindo que as Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP) comparem vantagens entre a carga tributária do Simples Nacional com o IBS e a CBS e a apuração desses tributos fora do regime Simples, ou seja, pelo sistema não cumulativo do IVA dual. Neste aspecto, cabe a cada empresa fazer uma análise individual dessa, se for o caso, vantagem comparativa, considerando a sua posição na cadeia econômica (fornecedores e clientes), a margem de valor adicional, a questão concorrencial e seu tipo de negócio. 

Entretanto, tal opção não é irrestrita. A LC nº 214/2025 veda a mudança para o regime unificado por dois anos consecutivos caso o contribuinte tenha solicitado ressarcimento de créditos de bens de capital no regime regular.

3. Créditos para adquirentes do regime regular

O aproveitamento dos créditos de IBS/CBS deve ser considerado tanto na opção pelo regime Simples Nacional (no qual vigora o regime de cumulatividade), quanto pela escolha (dentro daquela opção) pela apuração do IBS/CBS pelo regime regular (fora do SN). Desse modo, ao optar pela adesão anual ao Simples Nacional, a empresa não poderá aproveitar os créditos de seus fornecedores, transferindo o crédito ao adquirente, sendo este limitado ao valor de IBS/CBS apurado no regime simplificado.

Se a opção for apurar por fora o IBS/CBS do Simples Nacional, a apuração desses tributos pelo regime regular deverá tanto aproveitar como transferir os créditos desses tributos aos demais contribuintes do regime regular. Neste caso, o princípio da não cumulatividade plena deve ser a prática usual. 

4. Ampliação do conceito de Receita Bruta

Vigora a partir de 1º de janeiro de 2025 o novo o conceito de Receita Bruta, que dispõe: “Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados, o resultado nas operações em conta alheia e as demais receitas da atividade ou objeto principal das microempresas ou das empresas de pequeno porte, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.” (§ 1º, art. 3º, Lei Complementar nº 123, de 2006). As “demais receitas” de atividades relacionadas à atividade principal da MPE podem incluir, por exemplo, juros sobre inadimplência e comissões.

O conceito de receita bruta também foi ampliado para incluir, além do resultado das operações tradicionais (receita de venda de bens, de prestação de serviços, etc), as receitas com bens materiais, imateriais, inclusive direitos. Essa ampliação será especialmente relevante com a vigência plena do IBS/CBS a partir de 2027.

5. Multa por atraso na entrega do PGDAS-D

A contagem do prazo em que o contribuinte do Simples incorre em multa por atraso pela não entrega da declaração mediante preenchimento do formulário eletrônico do PGDAS-D começa a partir do dia seguinte ao vencimento do prazo de entrega (transmissão). Desse modo a multa pode ser lançada a partir de vencido o prazo.  A nova regra vale a partir de janeiro de 2025 (art. 38-A, I, da LC 123/2006 com redação do art. 516 da LC 214, de 2025).

Antes, a contagem do prazo para o lançamento da multa iniciava-se no 1º dia do quarto mês do ano seguinte à ocorrência da obrigação. 

6. Nova sistemática de contagem das receitas

A LC nº 214/2025 introduziu norma (no caso, o §19 ao art. 3º da LC 123/2006) que determina a soma das receitas brutas de todas as inscrições do mesmo contribuinte, inclusive quando atuarem como Microempreendedor Individual (MEI) ou em outros CNPJs da mesma pessoa física, no mesmo ano-calendário. Esta regra coíbe práticas de elisão fiscal por fragmentação de CNPJs e exige maior atenção dos contribuintes quanto à gestão empresarial.

Neste caso, ao fazer a opção pelo Simples Nacional, o empresário deve considerar que as eventuais receitas dos sócios, como contribuinte individual, podem compor o total da receita bruta da MPE da qual ele seja sócio. Noutro exemplo, se o Microempresário encerrar a atividade no início do ano e abrir outra inscrição nesse mesmo ano calendário, as receitas de ambas as empresas serão somadas para fins de receita bruta do ano-calendário.

7. Período de cálculo para o RBT-12 e do Fator R

A partir de 2027, a forma de calcular a receita bruta acumulada dos últimos 12 meses (RBT-12) deve ser alterada. Com a LC nº 214/2025, o cálculo considerará os 12 meses anteriores ao mês antecedente ao da apuração. Para entender melhor, veja o exemplo a seguir:

  • Cálculo atual: para calcular o imposto de janeiro de 2026, considera-se a receita de janeiro de 2025 até dezembro de 2025.
  • Cálculo a partir de 2027: para calcular o imposto de fevereiro de 2027, deve-se considerar a receita de janeiro de 2026 até dezembro de 2026.

Desta forma, o contribuinte poderá ter uma melhor clareza ao calcular o valor do tributo destacado no documento fiscal no caso de o valor  do IBS/CBS apurado dentro do Simples. Esse alargamento do cálculo do RBT-12 também influenciará no cálculo do Fator R, bem como dará ao contribuinte uma melhor capacidade de previsibilidade quanto for decidir se opta, semestralmente, por apurar o IBS/CBS pelo regime regular (por fora).

8. Alterações dos Limites e Sublimites pelo LC nº 214/2025

A LC 214/2025 não alterou os valores nominais dos limites e sublimites para fins de enquadramento, que continuam, em termos gerais, sendo:

  1. Limite federal para opção: R$ 4,8 milhões de receita bruta anual (art. 3º, §4º da LC 123/2006).
  2. Sublimite estadual para efeitos de recolhimento do ICMS e ISS pelo Simples: R$ 3,6 milhões (definido por Estados por meio de resolução do CGSN, conforme art. 19, §1º da LC 123).

A LC 214/2025 trouxe normas transitórias de adaptação do Simples Nacional ao novo sistema de tributação sobre o consumo (IBS e CBS), inclusive regras de partilha e recolhimento.

Portanto, os limites e sublimites continuam sendo os mesmos na fase de transição, os quais serão proporcionalizados à medida que os atuais (ICMS e ISS) forem sendo extintos e o novo (IBS) passar começar a vigorar.

9. Ultrapassagem dos sublimites ou limites com a Reforma Tributária

O novo  sistema (CBS e IBS) não eliminou as regras atuais de exclusão do Simples Nacional por excesso de receita, que continuam vigentes:

a) Ultrapassagem do sublimite (ICMS/ISS) – R$ 3,6 milhões

A empresa permanece no Simples para tributos federais, mas passa a recolher ICMS e ISS fora do Simples Nacional a partir do ano seguinte (regra do art. 19, §1º e §2º da LC 123).

Com a Reforma, o IBS substitui ICMS e ISS. Assim, ao ultrapassar o sublimite, o contribuinte passará a apurar e recolher IBS fora do Regime Simplificado.

b) Ultrapassagem do limite (R$ 4,8 milhões)

Exclusão do Simples Nacional: a empresa deve ser desenquadrada e passa a adotar o regime de apuração normal (Lucro Presumido ou Lucro Real) a partir do ano-calendário subsequente, ou imediatamente se o excesso for superior a 20%.

Com a Reforma, após a exclusão, a empresa passará a recolher diretamente o CBS e IBS pelo regime regular previsto na LC 214, de 2025.

10. Prazo de opção pelo Simples Nacional

O prazo para a opção anual pelo Simples Nacional (que no regime vigente é até o último dia de janeiro, com efeitos retroativos ao dia 1º desse mês) também foi alterado: agora deverá ser feita até o último dia útil de setembro do ano anterior ao da opção, produzindo efeitos no exercício seguinte. 

Deste modo, em setembro de 2026, o contribuinte deve fazer a opção pelo Simples Nacional com validade para o ano calendário de 2027.

Este prazo não se confunde com o prazo semestral de opção da MPE em aderir ao regime regular do IBS/CBS, mediante o qual o contribuinte deve fazer esta adesão nos meses de setembro e abril.

11. Cumulatividade e posicionamento na cadeia

A reforma não alterou a sistemática unificada do Simples quanto à impossibilidade de apropriação de créditos (efeito cumulativo dos tributos). Contudo, ao autorizar o creditamento ao adquirente do regime regular, a nova legislação reduz o efeito cumulativo indireto para as empresas não optantes do Simples Nacional e favorece a competitividade das optantes que atuam em elos anteriores da cadeia econômica. Ocorre que a posição do contribuinte no fluxo comercial, como por exemplo, o varejo (em que o consumidor final não aproveita crédito) será um elemento diferenciador da opção ou não pela adesão ao IBS/CBS dentro do Simples Nacional. 

Antes de tudo é preciso fazer as contas, analisar com cautela a opção por incluir  IBS/CBS no rol dos tributos abrangidos pelo Simples Nacional, bem como já deve ser a opção anual pelo regime unificado e simplificado.

12. Destaque do IBS/CBS na documentação fiscal

Durante o período de teste (2026), os contribuintes do Simples Nacional não estão obrigados a destacar o IBS e a CBS nos documentos fiscais, exceto nas operações de devolução, quando o destaque será necessário (LC nº 214/2025, art. 348, inciso III, alínea c).

13. Considerações finais

As alterações promovidas pela LC nº 214/2025, em relação às normas pertinentes ao Simples Nacional, tanto na incorporação dos novos tributos quanto nas adequações do regime unificado à realidade do segmento, sinalizam uma tentativa de harmonizar os princípios da simplificação e da isonomia dos contribuinte do Simples Nacional com os princípios de neutralidade e não cumulatividade plena do novo sistema de tributação sobre o consumo. 

É imperativo que os contribuintes realizem planejamento tributário estruturado para decidir sobre a opção pelo regime regular do IBS/CBS e adequar-se às novas regras de apuração, conceito de receita e obrigações acessórias. Esta possibilidade de optar ou não pelo Simples Nacional dá à micro e pequena empresa uma alternativa a mais de buscar  economia tributária lícita que faça prosperar seu negócio num ambiente empresarial cada vez mais competitivo, inclusive quando destinar seus produtos ao comércio exterior.

Francisco Wildys de Oliveira e Raimundo Nonato Barros de OliveiraTexto

Rolar para cima